SUL
LUGAR NENHUM
GRAFONOLA VOADORA & NAPOLEÃO MIRA
Sou do sul, não saberia ser de mais lado nenhum, já tentei ser de outro sítio, já tentei permanecer noutro lugar, mas não consigo estar em mais lado nenhum, vou e volto, fui e voltei sempre.
Sou das paredes brancas, as paredes brancas são folhas onde os meus sentidos escrevem os dias que passam, é nelas que faço as contas à vida, é nelas que aponto o que falta, é nelas que segredo os sonhos, é nelas que procuro a transparência, há qualquer coisa nas paredes brancas que me faz inteiro.
Sou dos pássaros, sou dessas asas inquietas, desses olhos voadores, se eu pudesse imitava-os e fazia contrabando de liberdade. Sou da lonjura, sou da distância grande, sou do espaço que falta, sou do eco, sou do horizonte maior, sou das léguas, sou da imensidão. Sou das planuras, sou dessa terra escorreita, as planuras não escondem nada, quem vê planuras vê corações.
Sou do silêncio e sou das vozes, as vozes cantam o silêncio, o silêncio é uma voz. Sou do sol, sou da torreira, sou do pino da calma. Sou do pó, sou do azinho, sou da cisma, sou das cegonhas, sou das estevas, sou do vinho, sou da pronúncia, aceito a minha herança, aceito o que me foi deixado, o que me foi deixado é uma fortuna.
Alentejo, Alentejo
Terra sagrada do pão
Eu hei-de ir ao Alentejo
Mesmo que seja no Verão
Sou do pão, tenho côdea a cobrir-me a pele, tenho miolo no pensamento, tenho coentros e alhos e azeite dentro de mim, basta juntar água quente que fico feliz.
Texto de Vítor Encarnação
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A Grafonola Voadora & Napoleão Mira procura criar de um modo original, diferenciador e com um cariz declaradamente interdisciplinar, um diálogo permanente entre a imagem, a música e a palavra dita/cantada. Num percurso que (re)constrói uma geografia afetiva, simbólica, visual e musical de quadros audiovisuais referentes a lugares comuns do ser humano. Viajando visual e musicalmente por espaços urbanos, rurais, marítimos numa busca de ambientes naturais, e culturais ligados ao património material e imaterial de todos nós.
Eis um texto, feito pássaro, voando sobre espantos alentejanos.